amor do qual fui despedida
sangro para descansar hoje
no meu primeiro emprego sofri abuso frequente
o profissional liberal vestia luvas descartáveis pra imediatamente em seguida se lembrar que precisava ser comprada alguma coisa na rua
me orientava a procurar o dinheiro em seus bolsos
no direito, no esquerdo, no de trás no da frente
pra se lembrar que estava na gaveta
tudo isso diante de um paciente de costas
à época não questionava este fato
à época sofria abusos por parte do professor de teatro também
fica difícil desnublar estas sensações todas quando o abuso de um corrobora o do outro
que nos dão vontade de cortar cabeças
também trabalhei vestida de jogadora de futebol numa empresa
para ilustar uma paletra sobre os cinco s
sete s, oito sex
não prestei atenção ao conteúdo do constrangimento
de segurar uma bola vestida em roupa curta pros machos sorrir
também me vesti de palhaço algumas vezes e
sofri ao lado de crianças em festas
enquanto animação nunca aprendi a fazer nada de útil
mas teria arrasado se tivesse tido a sorte de ser contratada pela mãe de uma criança gótica
aí sim
teria me encontrado nessa passagem da vida
também trabalhei por anos achando que estava lecionando teatro
e estava
mas assim não me sentia
também tretei mentalmente comigo ao lecionar história
tretei contra as burocracias do afeto
que me faziam pensar que a escola não é mais ambiente
vendi bolo na rua uma vez
um bolo de caixinha que ficou totalmente sem graça mas
eu tinha uma criança no colo e ela pode me ajudar a ser
alguém que precisava de ajuda
também trabalhei comentando textos que homens escreviam
nessa parte, nunca no centro nas coisas
mas só de estar na órbita dos homens
é se melhor remunerada
também ajudei meus pais a cortar cebolas, alhos, tomates
carregar whisky, videogame, calça jeans e plantas
carreguei televisores também, em outro trabalho
em outro trabalho varri escritórios enquanto pessoas sentadas faziam nada
passei café
passei roupa
passei óleo de corpo no pau de alguém em outro trabalho pra que a pessoa viesse gozar
escrevi cronogramas
poemas
dramas, datas
meus próprios dramas não vendem porque eu não quero vendê-los
eu mal quero vivê-los, haha
me lembrei de um trabalho no qual não aceitaram a minha própria roupa pra integrar o elenco
então fizeram um figurino pra eu vestir e me descontaram sessenta por cento do valor do cachê na roupa que depois ficou pra eles
gentilmente outra patroa me pediu pra lavar o mesmo chão três vezes em outra ocasião
e toda vez que me lembro de todas as paradas só penso
que outras podem ter passado por tudo de forma mais deteriorada
Foda esse texto bete
Daora q curtiu mano!